Relatório de Primavera 2017: equidade de acesso aos cuidados de saúde é principal preocupação

28/06/17
Relatório de Primavera 2017: equidade de acesso aos cuidados de saúde é principal preocupação

O Relatório de Primavera 2017, da autoria do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), foi apresentado hoje, dia 28 de junho, em Lisboa. "Viver em tempos incertos: sustentabilidade e equidade na saúde" é o tema do Relatório deste ano que, entre outros assuntos, conclui que as barreiras no acesso aos cuidados de saúde permanecem relevantes em Portugal, sendo que os fatores socioeconómicos continuam a ter um grande peso na acessibilidade.

Na análise dos indicadores de saúde da população portuguesa a partir do último relatório da OCDE (finais de 2016), os autores evidenciam que, apesar das melhorias substanciais no estado de saúde da população, "as desigualdades de género, geográficas/territoriais e socioeconómicas persistem". Para se manterem saudáveis os portugueses gastam muito mais que a maioria dos europeus, já que se mantém a diminuição do financiamento público da saúde e o aumento das despesas out of pocket (pagamentos diretos) por parte da população. Em termos de qualidade dos cuidados, Portugal apresenta resultados positivos em muitos dos indicadores analisados, com exceção da infeção hospitalar onde continua a ser um dos países com taxas mais elevadas.

No que diz respeito ao acesso a consultas de especialidade, o OPSS salienta as “limitações fortes” ao nível da saúde mental e oral. O Relatório refere que a “carência de serviços” nestas duas especialidades é o principal motivo para a falta de equidade em saúde, sendo que as necessidades são satisfeitas através do setor privado. Assim, os cuidados de saúde orais e mentais são acessíveis apenas a quem tem seguro “ou capacidade de pagar”.

Para atingir a equidade nos cuidados de saúde, o Relatório defende a implementação de “medidas concretas e uma ação determinada nos campos da saúde oral, da saúde mental e na melhoria do acesso aos medicamentos para os cidadãos mais carenciados, que se traduzam em efetivas melhorias no acesso e na redução das despesas catastróficas em saúde, por parte destes grupos da população”.

Sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde

Relativamente à sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a análise realizada permite afirmar que o SNS português é relativamente eficiente, ou seja, “consegue fazer tão bem ou melhor com menos dinheiro”.

Os indicadores de saúde são, na sua maioria, melhores que a média da União Europeia. No entanto, a percentagem do financiamento público é mais baixa que a média europeia, levando à existência de “um défice crónico e consequente ao endividamento público e a um peso significativo da despesa privada”. Estes fatos têm um impacto negativo na eficiência porque, no caso dos gastos privados, levam ao adiamento do consumo por parte dos indivíduos dos escalões de mais baixos rendimentos e, consequentemente, a uma maior utilização quando decidem recorrer aos serviços. O peso elevado dos pagamentos diretos é ainda o principal fator de agravamento das desigualdade, uma vez que a doença e, em particular, a incapacidade para o trabalho afeta sobretudo os grupos mais desfavorecidos da população.

Para os autores do documento, “é imprescindível a garantia de que a sustentabilidade do sistema de saúde a longo prazo seja assumida pelo governo, tal como a implementação do planeamento, que não se limite a propor linhas de orientação estratégica mas as traduza também na prática, considerando as dimensões económica (eficiência e o financiamento do sistema), ambiental e social (sempre a nível macro e micro) da sustentabilidade”.

Equidade em saúde: o acesso ao medicamento

Segundo o Relatório da Primavera 2017, o acesso ao medicamento representa “a principal fonte de despesas em saúde das famílias e, na ausência de isenções, os mais carenciados encontram maiores dificuldades de acesso”. O estudo ainda mesmo que Portugal é o país da Europa em que a população paga uma percentagem maior pelos medicamentos, sendo que as famílias suportam diretamente cerca de 40% do preço.

O Relatório procurou também caracterizar o consumo de antibióticos entre 2004 e 2014 em Portugal, concluindo que existem grandes discrepâncias a nível regional. De uma forma geral, este consumo decresceu no decénio indicado, mas continua a ser elevado.

Para combater as barreiras de acesso ao medicamento, o Relatório propõe uma “monitorização quotidiana do real impacto da inovação terapêutica e das condições de acesso por parte da população, sob pena de ficar comprometida quer a segurança dos doentes, quer os ganhos em saúde” e a “necessidade de implementação de estratégias conducentes à melhoria do padrão de consumo de antibióticos, nomeadamente campanhas à população que alertem para os perigos do consumo de antibióticos e estratégias nacionais que promovam, junto de profissionais e da população, a utilização racional de antibióticos em Portugal”.

Profissionais do SNS descontentes

No que diz respeito aos profissionais do SNS, o Relatório salienta que a restrição nas admissões é o “maior problema” com que o sistema está confrontado. O documento reconhece um esforço para reverter esta situação durante o ano de 2016, sobretudo na admissão de novos profissionais, na reposição de rendimentos e na eliminação da sobretaxa para rendimentos mais baixos, contudo a situação de congelamento e não-regulamentação das carreiras continua.

Estas circunstâncias “são fatores de desmotivação” para os profissionais e de “acréscimo de dificuldades na gestão dos recursos disponíveis”, nomeadamente no que respeita a assegurar serviços por turnos ou visitação domiciliária, por exemplo.

"Não há SNS renovado e melhorias nos cuidados sem a colaboração dos seus recursos humanos que se querem motivados, com competências adequadas e em número suficiente", pode ler-se no documento.

Carolina Silva

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