No passado dia 14 de agosto, a Organização Mundial da Saúde declarou a Mpox – anteriormente denominada de Monkeypox ou varíola dos macacos – como uma “emergência de saúde pública global”. Perante este cenário, a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS) organizou um webinar para “promover o debate informado sobre a doença” – à semelhança do que já tinha feito aquando do surto registado em 2022 – e que contou com a presença virtual de quase 100 participantes.
A moderação esteve a cargo de Cristina Vaz de Almeida, presidente da SPLS, que depois de um breve enquadramento do tema e de apresentar o painel de especialistas convidados, pediu ao presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, para falar sobre a Mpox, a sintomatologia associada e formas de transmissão.
Tal como descrito pelo especialista, a Mpox é uma zoonose, ou seja, “uma doença que normalmente ocorre nos animais” e que é transmissível a seres humanos, tendo sido diagnosticada pela primeira vez na década de 70, no centro do continente africano, “com uma forte transmissibilidade e gravidade naquela que era a sua forma original, agora chamada de clade I”.
De acordo com Gustavo Tato Borges, “há dois anos tivemos um surto associado ao contacto maioritariamente sexual” de uma estirpe diferente da Mpox, a clade II, “mais benigna, com menos sintomatologia forte e erupções cutâneas mais contidas naquilo que era o espaço corporal”, motivando “todo um trabalho de identificação de contactos de risco, de vacinação pré e pós-exposição”, que ainda hoje obriga a monitorização. “Em 2024, foi identificada uma mutação do vírus associado à estirpe original, chamada de clade Ib”, afirmou o médico, referindo ainda que “esta nova variante se transmite pelo contacto próximo” entre pessoas, pele com pele, com facilidade. Inclusivamente, na região da República Democrática do Congo “foram identificados muitos casos em crianças” que brincavam juntas no recreio.
Além de “uma sintomatologia mais intensa e forte”, Gustavo Tato Borges referiu que “a mortalidade para a clade I e clade Ib é superior à da clade II”. E ainda que “a maior parte das pessoas vá recuperando desta doença sem qualquer necessidade de tratamento”, acima de tudo, “o que se procura fazer para prevenir esta transmissibilidade é vacinar as pessoas que estão em redor e que tiveram contacto com os casos” de Mpox, bem como as “pessoas que lidam de forma muito próxima”, como os profissionais de saúde.
“Evitar o contacto próximo físico com quem está doente e as suas secreções” é outras das formas de prevenção desta doença, a par da higiene/lavagem das mãos e desinfeção dos espaços físicos.
Depois de congratular a SPLS pela iniciativa, Rui Nogueira, especialista em Medicina Geral e Familiar, lembrou que a Mpox não é um vírus novo, mas que, tal como todos os outros, tem a capacidade de se “atualizar” com o intuito, não só, de escapar às nossas defesas, como de se tornar mais transmissível. Assim, “enquanto antes era um vírus com transmissão sexual”, particularmente entre “trabalhadores de sexo e homens que tinham sexo com homens” (HSH), a estirpe recentemente identificada é mais fácil de transmitir no contexto “pele com pele” e através das “superfícies em que tocamos”. Na perspetiva, “estas novidades” vão, “com certeza, mobilizar-nos muito mais” do que anteriormente “em que havia uma transmissão numa população muito mais restrita”.
Quanto à sintomatologia, Rui Nogueira realçou que o quadro clínico é, por norma, semelhante aos de “qualquer outra virose respiratória e não respiratória”, como “febre, dores no corpo e início súbito”. “Tanto quanto se sabe”, disse o especialista, a nova variante da Mpox “ainda não está em Portugal”, mas está “a espalhar-se pelo mundo”. Logo, “sendo fácil o contágio” e mais agressivo, “temos de estar preparados para desencadear os mecanismos suficientes para a sua contenção”, defende Rui Nogueira, acrescentando: “É necessário mobilizarmos a comunidade para a vida com este vírus”.
Para rematar, o ex-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar fez uma reflexão sobre os cuidados e a atitude existentes por altura da pandemia COVID-19 e que têm vindo “a cair um pouquinho” em desuso, dando como exemplo a “limpeza dos espaços”, nomeadamente nas instituições de saúde.
Migrantes, estigma e vacinação no contexto da Mpox
De seguida, Tiago Cardoso, especialista em migrações e movimentos transfronteiriços, partilhou alguns números relacionados com o fluxo migratório que refletem uma realidade de “um mundo que todo ele se move” e no qual “não conseguimos controlar os movimentos das pessoas”. “Os fluxos migratórios sempre existiram e existirão. O que podemos fazer é atuar de forma posterior e conseguirmos encontrar formas de conter determinadas situações e comportamentos”, assegurou.
Neste âmbito, abordou a questão do “acesso à saúde que é muito importante para a integração” dos migrantes, mas que “traz desafios, quer para quem chega, quer para os que já estão”. Em linha com as anteriores considerações, Tiago Cardoso mencionou a vergonha e o medo das autoridades por parte de quem chega, já que muitas vezes não têm documentos que lhes permita aceder a serviços públicos. Por outro lado, quem “os acolhe, muitas vezes, faz um juízo sobre a legitimidade do acesso a estes serviços”. Paralelamente, há ainda o problema da barreira linguística que deve ser ultrapassado: “É importante que também tenhamos capacidade nos serviços públicos e serviços de saúde de encontrar intérpretes/tradutores que consigam chegar a esta população”.
Ricardo Fernandes introduziu o tópico do estigma porque a Mpox continua a estar “mais associada a uma determinada comunidade, neste caso do HSH”. Na sua opinião, “agora que a doença é um bocadinho mais democrática”, é possível que o estigma associado despareça. “O estigma vem, no fundo, dos piores medos que o ser humano pode ter e do seu desconhecimento”, sublinhou, completando: “A única forma de ser combatido é com informação”.
Antes de terminar, o diretor executivo do GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos falou sobre o trabalho desenvolvido por esta organização em torno da Mpox e concretamente, da vacinação de pessoas que se procuram proteger-se “precisamente por causa das notícias” têm surgido.
E foi exatamente sobre vacinação que Vítor Cabral Veríssimo, representante da Direção-Geral da Saúde, se pronunciou, esclarecendo que, “atualmente existem duas vacinas para dar resposta à Mpox, mas que não são específicas a nenhum tipo de clade”. “Ou seja, qual é a probabilidade desta vacinação conseguir impedir que a doença se manifeste com um grau mais visível de lesões, que impeça ou não a propagação da infeção e ao mesmo tempo bloqueie qualquer tipo de sintomatologia?”, questionou, ressalvando, no entanto, que a experiência “do surto anterior” mostrou que pessoas vacinadas apresentam um “que o quadro é muito mais atenuado do que aquilo que seria expectável se a pessoa não tivesse já algum tipo de imunidade conferida pela vacina”.
Vítor Cabral Veríssimo salientou a vacinação “como um aspeto fulcral nesta emergência de saúde pública de âmbito internacional” e informou sobre a existência de normas da Direção-Geral da Saúde que “está a fazer um esforço para se manter a par e passo daquilo que são as últimas informações”.
À semelhança dos especialistas anteriores, também Vítor Cabral Veríssimo considerou fundamental “reforçar a deteção precoce de casos suspeitos como uma das medidas basilares a implementar-se, alargando-se a suspeita clínica não apenas àquele quadro clínico típico que existia no primeiro e segundo surto”, e ainda aplicar “inquéritos epidemiológicos de forma expedita” para se conseguir “os contactos próximos da pessoa a quem foi diagnosticada a infeção pelo vírus da Mpox e conseguir, de alguma forma, encaminhá-la para vacinação pós-exposição, que não é tão eficaz quanto a vacinação pré-exposição, mas que não deixa por isso de ter bastante importância”.
O webinar, que aconteceu no passado dia 20 de agosto de 2024, com o apoio da News Farma, pode ser (re)visto na íntegra através do seguinte link.