Anticancerígenos posicionam-se como potenciais tratamentos para a sépsis

11/01/23
Anticancerígenos posicionam-se como potenciais tratamentos para a sépsis

O estudo “DNA damage independent inhibition of NF-κB transcription by anthracyclines” publicado na revista científica eLife, mostra que os fármacos utilizados no tratamento do cancro limitam a produção exagerada de mediadores inflamatórios pelo sistema imunitário. A descoberta posiciona estes medicamentos como potenciais tratamentos para doenças de natureza inflamatória, como a sépsis. Os dados revelam também mecanismos até agora desconhecidos que podem estar por trás da eficácia destes medicamentos usados na quimioterapia.

A reação exagerada do organismo à infeção, uma condição designada por sépsis, mata 11 milhões de pessoas por ano. Isto porque para sobreviver a uma infeção grave não basta conseguir eliminar o agente infeccioso, o que atualmente é feito de forma relativamente eficaz; é também necessário limitar os danos que este e a resposta imunitária provocam nos órgãos. É nesta segunda componente, que ainda não faz parte da intervenção terapêutica na sépsis, que reside o foco do grupo de investigação Imunidade Inata e Inflamação do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC).

A solução para proteger os órgãos poderá estar num grupo de fármacos frequentemente utilizado no tratamento do cancro: as antraciclinas. No passado, a equipa mostrou que estes fármacos conseguem evitar a falência de órgãos em ratinhos com sépsis, sem afetar a carga do agente infecioso. Esta descoberta inspirou um ensaio clínico na Alemanha que está a avaliar se a administração de antraciclinas tem uma influência positiva no decurso da sépsis e se reduz o risco de morte dos doentes. Porém, para tirar o máximo partido destes fármacos é necessário compreender como é que estes conferem tolerância à infeção.

Para explorar esta questão, os investigadores testaram diferentes antraciclinas em células do sistema imunitário de ratinhos. Os resultados indicaram que estes medicamentos anticancerígenos não só conseguiram limitar a quantidade de mediadores pró-inflamatórios produzidos pelas células, como precisaram de doses muito reduzidas para o fazer. O mesmo se verificou quando os investigadores trataram ratinhos com sépsis com estes fármacos.

O próximo desafio foi perceber como é que estes fármacos controlam a inflamação. “Descobrimos que as antraciclinas controlam genes inflamatórios importantes nas células do sistema imunitário”, explica a Prof.ª Doutora Ana Neves-Costa, investigadora do IGC e coautora do estudo. Uma vez que formam complexos com o ADN das células, os fármacos impedem a ligação de fatores necessários para a expressão destes genes. Em resultado, as células produzem menos moléculas inflamatórias. “Este novo mecanismo é particularmente importante porque exclui os efeitos secundários causados pela administração de doses elevadas destes compostos na quimioterapia”, acrescenta a investigadora.

“Com este trabalho encontrámos uma solução que poderá tratar doenças causadas por uma resposta inflamatória exagerada, tal como a sépsis e a artrite reumatoide, de forma mais eficaz”, explica o Prof. Doutor Luís Moita, médico de formação e investigador principal do IGC que liderou o estudo. “Uma vez que já são recorrentemente utilizados na prática clínica para o tratamento do cancro, reaproveitar estes fármacos será bastante mais fácil do que começar do zero”, acrescenta. É provável, também, que a regulação da expressão genética e a limitação da inflamação descritas neste estudo sejam fatores importantes, e até agora desconhecidos, para a eficácia das antraciclinas no tratamento do cancro.

Este estudo foi desenvolvido pelo Instituto Gulbenkian de Ciência em colaboração com várias instituições nacionais e internacionais, especialmente o Instituto de Medicina Molecular (IMM) em Portugal, o Institute of Structural Biology e o European Molecular Biology Laboratory (EMBL) na Alemanha e o Leiden University Medical Center, nos Países Baixos. O financiamento foi atribuído pelo Programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

O estudo pode ser acedido aqui.

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