"É fundamental que se invista mais na capacitação dos cidadãos na área da investigação clínica"

08/07/21
"É fundamental que se invista mais na capacitação dos cidadãos na área da investigação clínica"

No âmbito do fórum “Novos parceiros, melhores resultados: investigação colaborativa, investigação de excelência”, a Dr.ª Joana Viveiro, diretora executiva da Plataforma Saúde em Diálogo/Health Parliament Portugal, fez um balanço do evento. Leia a entrevista na íntegra News Farma.

News Farma (NF) | Quais foram as principais conclusões retiradas destas duas sessões? Que balanço faz deste Fórum?

Dr.ª Joana Viveiro (JV) | A 1º edição deste Fórum foi um verdadeiro sucesso. Desde o início que a ideia era colocar as organizações de pessoas com doença e as instituições académicas/de investigação a falarem entre elas, em diálogo aberto e genuíno, de forma a contribuir para esta mudança de paradigma relativamente ao envolvimento das pessoas com doença na investigação biomédica. Isto porque consideramos que estamos na altura ideal para impulsionar a mudança e acreditamos que isso foi claramente conseguido, tendo o Fórum superado as nossas expectativas, quer ao nível das intervenções e entusiasmo dos oradores, assim como ao grau de interesse e adesão do público presente, que por sua vez era muito diverso. Contámos com a presença de representantes de associações de pessoas com doença, representantes da indústria farmacêutica, decisores políticos e profissionais de saúde.

Foram apresentados bons exemplos daquilo que se tem feito em Portugal, com investigadores e representantes de pessoas com doença a partilharem projetos inovadores que envolvem os cidadãos e pessoas com doença nas várias etapas do processo de investigação biomédica. Estas boas práticas nacionais fazem-nos acreditar que é possível sentar à mesa, de igual para igual, cientistas e pessoas com doença.

O grau de proximidade entre as instituições do nosso país é já um bom ponto de partida para o reforço deste diálogo aberto entre parceiros, que servirá depois de incentivo à implementação de modelos colaborativos em investigação biomédica que contribuam para melhores resultados em ciência, uma vez que todo o processo de investigação se ajusta aquilo que são as reais necessidades das pessoas com doença.

Neste Fórum foram também apresentados os resultados preliminares do inquérito ‘’Envolvimento de Doentes em Investigação em Portugal’’ e ficou claro o muito que há ainda a fazer nesta área para podermos efetivamente falar na existência de modelos colaborativos em investigação biomédica em Portugal.

A sessão contou ainda com a intervenção dos parceiros europeus, precursores destes modelos de participação das pessoas com doença na investigação científica, que connosco partilharam as experiências que têm tido sobre este envolvimento nas suas organizações, abrindo novos caminhos para uma maior colaboração em investigação.

Concluímos que é importante dar continuidade a esta reflexão conjunta, estando já previstas mais edições deste Fórum para as quais queremos trazer à mesa de discussão investigadores, indústria farmacêutica e profissionais de saúde, de forma a enriquecer esta reflexão, promovendo o diálogo conjunto e quebrando barreiras sobre o tema.

As organizações de pessoas com doença e instituições académicas/de investigação envolvidas neste projeto querem assinalar o início de uma nova era na investigação biomédica.

 

NF | De que forma estes modelos contribuem para uma melhoria dos resultados científicos e na gestão de doenças? Qual a importância do envolvimento dos doentes na investigação?

JV | Grande parte da investigação que se faz atualmente é realizada sem considerar os doentes como parceiros e elementos-chave de todo o processo. E falamos de novos tratamentos para as doenças oncológicas, demências e/ou outras doenças incapacitantes ou letais.

“Ninguém sabe melhor o que é uma doença do que quem vive com ela”, certo? A realidade é que as pessoas com doença, parceiros indissociáveis deste processo, continuam a estar muito afastadas da investigação de novos tratamentos, no entanto, são peças fundamentais para atingirmos os melhores resultados.

Há provas dadas de que os modelos colaborativos em investigação clínica contribuem para uma maior qualidade e maior impacto dos resultados em ciência, assim como para uma maior eficácia e transparência de todo o processo de investigação, isto porque são modelos precisamente centrados nas necessidades das pessoas com doença, reais beneficiárias de todo o processo.

Uma abordagem verdadeiramente multidisciplinar deve não só estar centrada nas pessoas com doença, mas ocorrer também em parceria com elas ao longo do processo de investigação, de montante a jusante, desde a Ciência Fundamental até aos Estudos Clínicos. Mais do que simples ‘’objetos de estudo’’, as pessoas com doença podem, de facto, ter um papel ativo na investigação da sua doença ou condição, podendo estar envolvidos em diferentes etapas do processo de investigação.

Porém, se por um lado, falta promover este diálogo aberto e quebrar barreiras entre organizações, por outro, continua a existir algum desconhecimento acerca dos processos de investigação clínica por parte dos cidadãos/pessoas com doença, o que motiva uma desconfiança e uma insegurança parte a parte.

É, por isso, fundamental que se invista mais na capacitação dos cidadãos, nomeadamente, na disseminação de conhecimento na área da investigação clínica, para que estes possam colaborar de forma mais efetiva e informada em todo o processo. O papel das organizações representantes das pessoas com doença, mas também dos parceiros (promotores, unidades de investigação) é crucial nesta fase.

De acordo com o recente inquérito sobre o ‘’Envolvimento de Doentes em Investigação em Portugal’’, focado, em particular, na investigação na área do cancro, e cujos resultados preliminares foram apresentados em primeira mão neste Fórum, apercebemo-nos do (muito) que falta fazer nesta área. Das 27 associações de pessoas com doença oncológica que responderam ao questionário, somente 7 afirmaram ter alguma vez participado em investigação clínica. Para além disso, o grau de envolvimento das associações que referiram ter alguma vez participado em investigação foi muito baixo. Porém, foi bastante notório o elevado interesse de todas as associações inquiridas em se envolverem mais, de se constituírem como verdadeiros parceiros da equipa de investigação em estudos clínicos porque consideram que só assim se garante que o processo de investigação clínica e os seus resultados deem resposta às reais necessidades de quem vive com a doença.

É fundamental continuarmos a demonstrar a importância do envolvimento das pessoas com doença na investigação para que a investigação biomédica esteja mais próxima das pessoas com doença e alinhada com as suas reais necessidades.

 

NF | De que maneira a declaração “Europe: Unite against Cancer” é um bom exemplo desta aposta em parcerias?

JV | O envolvimento de doentes em investigação na área do cancro é um dos objetivos da Presidência do Conselho da UE, agora ciclicamente partilhada pelo trio Alemanha, Portugal e Eslovénia.

Sabemos que as doenças oncológicas constituem um dos maiores desafios da medicina moderna e da nossa sociedade. Todos os anos são diagnosticados com cancro mais de 2,7 milhões de europeus, sendo que há previsões para que o número de novos casos duplique nos próximos 20 anos, com cada vez mais doentes oncológicos a viverem mais tempo de vida com a doença.

É, por isso, fundamental identificar novas possibilidades para a deteção precoce, diagnóstico, tratamento e cuidados de qualidade, de forma a prolongar os anos de vida e a melhorar a qualidade de vida dos doentes e dos sobreviventes.

Tem-se tornado também cada vez mais evidente, tanto a nível da UE como a nível nacional, que a participação ativa das pessoas com doença em todo o processo de investigação oncológica é também um fator chave para o sucesso do tratamento.

Em função disto, a 13 de otubro de 2020, a Alemanha, Portugal e Eslovénia assinaram a declaração ‘’Europe: Unite against Cancer’’.  Trata-se de um documento inovador que visa conjugar esforços para reforçar a investigação na área do cancro e, em particular, para promover o envolvimento das pessoas com doença em todo o espectro translacional da investigação, desde a investigação ao tratamento, de forma a assegurar as suas reais necessidades e a garantir uma maior aceitação em relação ao tratamento.

Esta declaração é, por isso, um bom ponto de partida para o envolvimento efetivo das pessoas com doença no processo de investigação e serviu de mote para a realização do Fórum.

Neste contexto, a presença do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e do representante do Ministério da Educação e Investigação Científica da Alemanha revestiu-se de muito simbolismo, uma vez que reforçou esta mensagem de compromisso por parte dos três países quanto à participação ativa das pessoas com doença em todo o ciclo translacional, desde a investigação (não só na área do cancro) até aos cuidados de saúde, garantindo que as pessoas estejam no centro da tomada de decisão conjunta.

Acreditamos que estamos a entrar numa nova era da investigação biomédica e sentimo-nos bastante motivados para fazer parte desta mudança de paradigma.

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