Excelência, visibilidade e inovação: estes são os pilares da nova direção da SPO

02/09/22
Excelência, visibilidade e inovação: estes são os pilares da nova direção da SPO

O Prof. Doutor Miguel Abreu, oncologista no IPO Porto, tomou posse em fevereiro, enquanto presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), para os próximos dois anos. Em entrevista, o especialista destaca que a aposta na investigação nacional em Oncologia será o foco do seu mandato.

News Farma (NF) | No seu percurso na SPO, foi o primeiro presidente do Núcleo de Internos e Jovens Especialistas. Atualmente, é o presidente da Sociedade. O que o tem motivado a assumir estas responsabilidades?

Prof. Doutor Miguel Abreu (MA) | A Sociedade tem um papel muito relevante na esfera da Oncologia nacional, desde logo pelas várias ações formativas que desenvolve, passando pela promoção da investigação até ao papel cívico de esclarecimento e reconhecido conhecimento técnico/científico na área. É uma Sociedade científica agregadora, que reúne as várias especialidades que tratam, de forma multidisciplinar, estes doentes.

A constituição do primeiro Núcleo de Internos e Jovens Especialistas foi um projeto desafiante e muito exigente. Definimos um conjunto de atividades que consideramos pertinentes desde cursos formativos, passando pela discussão interativa de casos clínicos e a atribuição de bolsas de investigação. Foi com muita satisfação que assisti à adesão da comunidade oncológica nacional a todas as ações que fomos propondo e que pude verificar que, ao longo dos anos, estas iniciativas perduraram integrando já a formação de várias gerações de oncologistas, deixando assim uma marca de qualidade que enalteceu e promoveu a SPO.

Em última análise, foi este dinamismo e esta capacidade de agregar uma comunidade científica e de contribuir para o melhor tratamento dos nossos doentes que sempre me atraiu na SPO.

NF | Manifesta, na sua carta programática, a vontade de agregar na SPO outras especialidades além da Oncologia médica. Como pode a sociedade cativar outras especialidades, envolvidas nos cuidados oncológicos?

MA | Acima de tudo, passando a mensagem de que todos têm o seu lugar na SPO, sendo uma “Sociedade de todos e para todos”. Todas as perspetivas são válidas e um contributo fundamental para o desenvolvimento da Sociedade, que tem, na sua génese, a multidisciplinariedade que deve presidir à abordagem destes doentes. Esta será tanto mais forte quanto mais conseguir representar a realidade do país, porque juntos podemos fazer sempre mais e melhor!

Penso que o maior desafio estará provavelmente relacionado com a agregação dos investigadores das ciências básicas. Classicamente estão “fechados” nos seus laboratórios de investigação, alheados da clínica e dos doentes. Ainda assim, os tempos são também de mudança neste campo e julgo que seremos bem-sucedidos, porque, mais uma vez,  o trabalho em conjunto é proveitoso para todos.

NF | Que desafios acarreta ser presidente da SPO?

MA | Os desafios são vários e começam, desde logo, com os de ordem pessoal. Abraçar este projeto significa um esforço diário adicionado ao trabalho de 40 horas semanais como Assistente Hospitalar Graduado numa Instituição do SNS, não existindo qualquer proteção de tempo para que me dedique a este cargo. Só uma estrutura de suporte familiar muito sólida e uma ajuda constante de uma equipa da Direção na SPO que partilha os mesmos objetivos possibilitam esta tarefa.

A par de uma ideia de futuro para a Sociedade que deverá ser alicerçada no conhecimento profundo dos problemas reais vividos por todos os colegas e pelos doentes, somos diariamente convocados a dar pareceres técnicos ou a associarmo-nos a iniciativas.

A expectativa de que toda a comunidade científica deposita em nós é baseada em altos padrões de exigência, pelo que trabalhamos arduamente para manter este rigor e esta qualidade associada à “marca” SPO. Pretendemos inovar e ser arrojados, estando certo de que todo este nosso empenho será reconhecido.

NF | Os problemas do Serviço Nacional de Saúde, as condições de trabalho dos médicos no serviço público e as exigências necessárias para uma boa prestação têm estado na ordem do dia. No contexto dos especialistas de Oncologia, há reivindicações ou necessidades particulares que considere prioritário atender?

MA | Há problemas genéricos do SNS que, obviamente, também são sentidos na Oncologia, começando desde logo pela suborçamentação crónica do sistema. Toda a evolução tecnológica nesta área acarretou, progressivamente, maiores gastos, devendo ser pensadas estratégias para uma melhor organização dos recursos existentes para sermos mais eficazes e eficientes. Com o envelhecimento expectável da população e a maior incidência de cancro, seremos cada vez menos para as necessidades criadas e só uma verdadeira rede integrada de cuidados, contando por exemplo com os Cuidados de Saúde Primários, poderá tentar compensar a escassez de recursos.

É uma área exigente, com uma necessidade permanente de atualização de conhecimentos que só pode ser atingida com pessoas altamente motivadas. A forma como isto deve ser feito não deverá seguir uma regra única sob pena do plano se tornar um grande fracasso. É preciso ir ao encontro das reais expectativas e vontades dos vários intervenientes, proporcionando as condições para que se sintam realizados. Isto passará por uma reorganização dos serviços, permitindo, por exemplo, integrar a investigação na rotina dos oncologistas que a desejam fazer ou permitir estágios remunerados a todas as especialidades cirúrgicas que, com isso, serão fonte de mudança e promotores de inovação que só poderá traduzir-se em valor para os nossos doentes. O reconhecimento da Oncologia Médica como especialidade de maior desgaste físico e emocional também seria importante, possibilitando por exemplo uma bonificação em número de dias de férias e uma redução da carreira.

NF | No âmbito da agenda institucional, são identificadas quatro áreas de excelência que considera que a SPO deve ser parceira: prevenção; deteção precoce; diagnóstico e tratamento; qualidade de vida dos doentes e sobreviventes de cancro. Que iniciativas estão já planeadas ou em ação para cumprir objetivos nestas áreas?

MA | Estas áreas constituem os pilares de atuação prioritária para o Plano Europeu de Luta contra o Cancro transpostos para o National Cancer Hub português em que a SPO será parceira. Pensando em específico nestas áreas, a Sociedade tinha já vários grupos de trabalho criados, sentindo esta nova direção necessidade de criar três novos: o grupo da Qualidade de Vida, o grupo dos Adultos Jovens e o de Patients advocate. Todos estes grupos têm definidos projetos concretos para serem realizados nos próximos quatro anos.

Na Oncologia, são vários os temas atuais a debater, desde logo em termos de organização do país que deverá redefinir a sua rede de tratamentos oncológicos, estabelecendo novos centros de referência e, com isso, ir ao encontro do desígnio europeu de “Comprehensive Cancer Center”. Isto não significa centralização num reduzido número de centros específicos, mas sim criação de uma rede de interligação, nomeadamente aos centros de proximidade, assegurando sempre o melhor tratamento dos doentes. Na mesma linha de ação, a Sociedade irá pugnar para garantir a equidade de acesso aos tratamentos inovadores para assegurar que, de norte a sul do país, qualquer doente com a mesma doença seja igualmente bem tratado.

Outra estratégia de ação prende-se com a promoção da investigação de qualidade em Oncologia, desde logo atraindo maior número de ensaios clínicos para Portugal e promovendo as condições necessárias para estimular a investigação por iniciativa do investigador. Neste contexto, são já várias as iniciativas que esta Direção tomou, como novas parcerias com sociedades científicas internacionais como a Sociedade Europeia de Radioncologia e a Sociedade Internacional de Oncologia Geriátrica, passando pelo memorando de entendimento que estabeleceu com um importante Grupo Europeu de Investigação em Cancro (EORTC) e a nova Agência de Investigação Clínica (AICIB). A SPO faz também parte do “Stakeholders Group” do National Cancer Hub, integrando o Grupo de Investigação e Desenvolvimento. É desígnios desta Direção, estando definido como o objetivo primordial do meu mandato, a criação de Grupos cooperativos de investigação na SPO, promovendo uma estrutura de desenho, implementação e publicação de estudos da iniciativa do investigador e atuando também como facilitador da realização de ensaios clínicos promovidos pelos vários promotores.

NF | Este ano, a SPO comemora 40 anos de existência. De que forma serão celebrados?

MA | A comemoração do 40.º aniversário da Sociedade iniciar-se-ão no 19.º Congresso Nacional que decorrerá em novembro na Alfândega do Porto e terminarão no Congresso do próximo ano. Tivemos a ideia de promover, durante um ano, 40 iniciativas para assinalar a data, estimulando toda a comunidade científica a propor projetos em parceria com a Sociedade.  Estamos certos de que serão iniciativas muito interessantes e valorizadas por todos e transmitirão o espírito da SPO.  

NF | O congresso anual, a decorrer em novembro, tem como mote “Saber, Projetar; Organizar – Refletir o Presente, Ousar o Futuro”. O que se pode esperar deste congresso?

MA | O congresso será o reflexo da multidisciplinaridade, espelhado num vasto programa de três dias e que contará com mais de 250 intervenientes das várias especialidades, nacionais e internacionais. Teremos, na Comissão de Honra, o Senhor Presidente da República que conferiu o seu alto patrocínio ao Congresso, os presidentes dos Colégios da Cirurgia Geral, Oncologia Médica e Radioncologia da Ordem dos Médicos e o diretor do Plano Nacional para as Doenças Oncológicas da Direção-Geral da Saúde. Tivemos também o apoio da Associação de Enfermagem Oncológica Portuguesa para o desenvolvimento de algumas mesas especificamente dedicada à Enfermagem Oncológica.

Acima de tudo, tentámos inovar em termos de estrutura. O Congresso será constituído por vários tipos de sessões, não estando apenas restrito à abordagem terapêutica das várias doenças, promovendo também discussões a nível macro. Por percebermos que as decisões de política em saúde são determinantes no nosso quotidiano, desenhámos várias mesas de Oncopolítica para termos oportunidade de debater com os principais intervenientes políticos.

Mantendo o espírito formativo da SPO, quisemos proporcionar momentos de avaliação de conhecimentos para os nossos internos que, voluntariamente, poderão inscrever-se nos “Quiz” das várias áreas de patologia. 

Uma sociedade mais conhecedora será uma mais exigente e, como pretendemos promover a literacia em saúde dos nossos doentes, convocamos, pela primeira vez, os doentes e as Associações que os representam a estarem presentes no Congresso, bem como as várias estruturas que desenvolvem materiais de apoio para os doentes. E, porque a partilha de experiências é sempre enriquecedor, finalizaremos o primeiro dia com uma tertúlia, organizada pelo nosso grupo de Patients advocate.

É com grande orgulho que a atual Direção da SPO apresenta este programa, finalizado seis meses antes do início do Congresso, que estamos certos de que agradará a todos aqueles que nele participem.

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