Dia Mundial do Ritmo Cardíaco: “Apesar dos avanços, é necessária mais atenção na fibrilhação auricular”

14/06/22
Dia Mundial do Ritmo Cardíaco: “Apesar dos avanços, é necessária mais atenção na fibrilhação auricular”

A propósito do Dia Mundial do Ritmo Cardíaco, celebrado ontem, 13 de junho, o Dr. Victor Sanfins, cardiologista no Hospital de Guimarães e presidente da Associação Portuguesa de Arritmologia, Pacing e Electrofisiologia (APAPE), abordou, em entrevista à News Farma, os diferentes tipos de arritmias e qual a melhor abordagem a ter com doentes.

News Farma (NF) | Que tipos de arritmias existem e que riscos associados têm?
Dr. Victor Sanfins (VS) | Podemos dividir as arritmas em supraventriculares e ventriculares. As mais frequentes nas supraventriculares são a fibrilhação auricular, o flutter auricular e as taquicardias supraventriculares. As arritmias associadas ao ventrículo são a taquicardia ventricular e a fibrilhação ventricular.

Temos ainda outras perturbações do ritmo cardíaco, os bloqueios, sendo os mais importantes os auriculoventriculares, que podem ter diferentes níveis de gravidade. O mais grave é o bloqueio aurículo-ventricular completo.
Em regra, a gravidade da arritmia depende da cardiopatia subjacente, o que também tem influência no prognóstico.

NF | Qual a importância de reuniões multidisciplinares entre médicos para a tomada de decisões relativamente ao tratamento de doenças do coração?
VS | O conceito das reuniões multidisciplinares foi estabelecido essencialmente entre a Cardiologia e a Cirurgia Cardíaca, a chamada Heart Team, que tem por base uma avaliação caso a caso das características individuais de cada doente, tomando uma decisão que define a estratégia mais indicada a seguir, quando existe uma indicação cirúrgica para o tratamento do doente. Na área do ritmo cardíaco, essas reuniões multidisciplinares não são tão frequentes.

NF | O que poderá ser modificado no estilo de vida para prevenir eventos do foro cardiovascular?
VS | Há fatores de risco claramente ligados a uma maior probabilidade de desenvolver uma doença cardiovascular, como a hipertensão, a obesidade, o tabagismo, a falta de exercício físico, a diabetes, o teor de sal consumido e a dislipidemia, sobre os quais podemos intervir e, controlando-os, diminuir a incidência de doenças cardio-vascular, nas suas diferentes manifestações como a insuficiência cardíaca (IC): a doença cardíaca isquémica e a hipertensão arterial.

NF | Quais são os fatores de risco da fibrilhação auricular?
VS | Os fatores de risco da fibrilhação auricular relacionam-se com a hipertensão, a doença cardíaca isquémica, a obesidade, a apneia do sono e a idade do doente, porque a incidência da fibrilhação auricular aumenta significativamente com a idade (> 60 anos). No entanto, a fibrilhação auricular também ocorre em doentes mais jovens e também eles devem estar alerta para se realizar um diagnóstico precoce.

NF | Um doente com arritmia terá um risco maior de ter um AVC?
VS | Depende da arritmia, sendo que a que está mais ligada ao AVC é a fibrilhação auricular. Na avaliação de doentes com AVC isquémico, esta arritmia deveria ser considerada. A presença da fibrilhação auricular favorece a formação de coágulos do sangue no coração, nomeadamente na aurícula esquerda. Estes coágulos libertam-se e entram na circulação sistémica, para no fim chegarem ao cérebro, causando danos. 
Os doentes que têm AVC isquémico criptogénico (assim chamado quando não é determinada uma causa) e em que não seja conhecida a presença de fibrilhação auricular devem ser estudados para se avaliar a ocorrência de episódios de fibrilhação auricular, muitas vezes, de modo paroxístico e assintomático. Muitos destes doentes têm indicação para fazer a implantação de dispositivos cardíacos que permitem fazer uma monitorização eletrocardiográfica permanente, muito prolongada (> 2 anos), no sentido de detetar a presença desta arritmia.

NF | O que assinala em termos de desenvolvimento de dispositivos cardíacos implantáveis?
VS | O primeiro implante de um pacemaker em humanos ocorreu em 1968, apenas estimulando o ventrículo direito. Ao longo dos anos, temos assistido a uma sofisticação crescente desta terapêutica, com a estimulação de outras cavidades cardíacas, o aumento significativo da longevidade das baterias (agora cerca de 12 anos, em média) e a possibilidade de recolher, de um modo permanente, muita informação que nos ajuda a otimizar o tratamento destes doentes. Destacava, nesta extraordinária e permanente evolução clínica, os cardioversores-desfibrilhadores implantáveis (CDI), utilizados em doentes com risco elevado de morte súbita por arritmias ventriculares malignas, a terapêutica de ressincronização cardíaca, que revolucionou o tratamento da insuficiência cardíaca, os dispositivos (pacemakers e CDI) sem eléctrodos e os registadores de eventos implantáveis, que, ao permitirem monitorizar o ritmo cardíaco de um modo permanente e até cinco anos, nos ajudam no esclarecimento de situações como a síncope recorrente. Para todos estes dispositivos, dispomos de monitorização remota, uma ferramenta que nos permite acompanhar estes doentes sem os doentes se deslocarem ao hospital. Esta tecnologia presente na generalidade dos hospitais portugueses é também importante, apesar de todas as dificuldades que temos passado, tendo sido possível aos hospitais, quer do SNS quer privados, acompanhar esta evolução tecnológica.

NF | Tendo em conta o trabalho da APAPE para uma maior divulgação dos fatores associados às arritmias, considera que uma maior sensibilização contribui para uma maior prevenção?
VS | A APAPE é uma associação especializada no âmbito da Sociedade Portuguesa da Cardiologia, com grande foco na divulgação das questões relacionados com o ritmo cardíaco, principalmente entre médicos, não só cardiologistas, mas de outras especialidades. Houve avanços significativos não só nos dispositivos, mas na área da Eletrofisiologia e é importante que os colegas de outras especialidades saibam o que se disponibiliza atualmente aos doentes para o tratamento de perturbações do ritmo cardíaco. Quanto à divulgação destas questões junto do público, temos, com outras instituições, uma participação e colaboração ativas, de modo a contribuir para um maior e efetivo conhecimento destas questões.

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