Uma nova arma no tratamento da dor crónica

Dr.ª Ana Agrelo, Anestesiologista e especialista em Medicina da Dor - IPO Porto
09/09/20
Uma nova arma no tratamento da dor crónica

O uso da planta Cannabis sativa para fins medicinais, remonta ao início da história da humanidade. Em Portugal as suas propriedades medicinais foram descritas em1563, pelo médico Português Garcia da Orta,  no seu livro “Colóquio dos simples, e drogas e coisas medicinais da Índia”.

A planta da canábis é constituída por mais de uma centena de diferentes fitocanabinóides (compostos produzidos pela planta da canábis e que se encontram em elevadas concentrações na flor), sendo que  o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), são os dois principais canabinóides da planta. Para além disso, ela é ainda constituída por terpenóides e flavonóides. A identificação e isolamento do THC e do CBD (década de 60 e de 40, respetivamente), levaram ao desenvolvimento de novas pesquisas científicas, que recaíam essencialmente sobre o estudo do THC. Para além da sua obtenção a partir da canábis, o THC pode também ser sintetizado quimicamente em laboratório.

Em Portugal a utilização da canábis para fins medicinais está aprovada desde 2019. De acordo com  a Deliberação nº11/CD/2019, do Infarmed, a utilização de canabinóides para fins medicinais está aprova em sete indicações:

  1. Espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula;
  2. Náuseas, vómitos (resultante da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C);
  3. Estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA;
  4. Dor crónica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após herpes zoster);
  5. Síndrome de Gilles de la Tourette;
  6. Epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, tais como as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut;
  7. Glaucoma resistente à terapêutica.

A legislação aprovada determina que a utilização destas terapêuticas está sujeita a receita médica obrigatória sendo a sua dispensa exclusiva em farmácia.

Tendo em conta a evidência cientifica disponível à data de hoje, a Federação Europeia da Dor (EFIC), reconhece os potenciais benefícios do uso de canabinóides no tratamento da dor neuropática (a dor neuropática é uma dor crónica ou prolongada que surge como resultado de uma lesão nervosa e afeta milhões de pessoas em todo o mundo.) e no tratamento da dor oncológica quando a componente neuropática é predominante.

Dito isto, os canabinóides podem de facto ser uma nova arma no tratamento da dor crónica, área onde muitas das vezes as terapêuticas de que dispomos não controlam satisfatoriamente a sintomatologia dos nossos doentes.

Até à data, ainda não existem preparações e substâncias à base de canábis para fins medicinais aprovadas pelo Infarmed, facto que nos impossibilita de aceder a potenciais alternativas para o tratamento das pessoas com dor crónica em Portugal.

Como médicos, aguardamos esta aprovação por parte do Infarmed, bem como o acesso a informação e formação contínua por parte da Ordem dos Médicos, assegurando a sua correta prescrição.

Partilhar

Publicações