A Nutrição Parentérica, a Neonatologia e o farmacêutico pediátrico

Dr.ª Filipa Cosme Silva, Unidade de Farmácia Pediátrica do Hospital de Santa Maria (CHULN)
24/04/20
A Nutrição Parentérica, a Neonatologia e o farmacêutico pediátrico

Compreenderam bem… e o farmacêutico pediátrico. À medida que o conhecimento técnico vai evoluindo, cada vez mais nos relacionamos com profissionais de saúde altamente especializados. É por isso inevitável que o farmacêutico acompanhe esta tendência. Não me refiro apenas à necessidade premente da afirmação do farmacêutico clínico, refiro-me à necessidade do farmacêutico clínico surgir com subespecialidades, nomeadamente em Pediatria, Oncologia, e, entre muitas outras, a Nutrição.

 

Não é ficção científica. É uma realidade inquestionável em países como a Inglaterra. A malnutrição tem uma influência negativa no decurso clínico de um doente. Talvez por isso seja incontestável a necessidade de formar equipas multidisciplinares na área da Nutrição, para reverter a tendência que parece existir entre internamento hospitalar e desnutrição. A identificação de grupos de risco é crucial para uma rápida e efectiva intervenção.

A identificação do recém-nascido prematuro ou o de termo com comorbilidades como uma população de risco não é inesperada. Pela sua incapacidade de se alimentar por via oral, ou pelo menos de um modo eficiente, ou pela imaturidade do seu sistema digestivo, ou por variadíssimos outros factores, é um grupo em que importa investir. É por isso imperioso conhecer as recomendações atuais, de forma a apoiar a prescrição médica, conseguir antecipar eventuais défices ou toxicidade de determinados componentes, interpretar valores analíticos e acima de tudo saber quando e o que avaliar. Tudo isto diretamente relacionado com a componente mais clínica. Nesta área, médicos, farmacêuticos, nutricionistas, enfermeiros devem cooperar para atingir melhores outcomes.

Relativamente à produção das bolsas, abordar-se-á uma questão totalmente distinta. Os serviços farmacêuticos tornam-se elementos praticamente exclusivos na garantia da qualidade do que se produz. Assumimos esta responsabilidade. Como tal, constituir um protocolo que funcione como base de prescrição é fundamental. Qualquer variação na constituição de uma bolsa de Nutrição Parentérica (NP) pode conduzir à instabilidade da formulação. Talvez por isso, segundo as novas recomendações da ESPGHAN, a estandardização é palavra de ordem.

Esta permite diminuir erros de prescrição; aumentar a segurança das bolsas por ser possível avaliar a sua estabilidade físico-química e microbiológica; aumentar a sua disponibilidade (podem estar em stock na farmácia/serviços e serem iniciadas por exemplo no período noturno) e otimizar recursos humanos e materiais. A Sociedade Europeia refere ainda que estas deverão ser usadas na maioria dos doentes pediátricos, incluindo-se os RN de extremo baixo peso.

De referir o exemplo prático londrino, que, contando com mais de dez anos de experiência nas suas bolsas estandardizadas, as SCAMP bags, consegue obter conclusões extraordinariamente relevantes. Saliente-se: recorrendo às bolsas SCAMP nos primeiros 28 dias de vida, é possível aumentar os aportes proteico e energético, traduzido por um aumento do perímetro cefálico (que reflecte o desenvolvimento cerebral). Permitem ainda iniciar NP logo após o nascimento e obter resultados mais expectáveis.

Esta é talvez das conclusões mais valorizáveis. Ter opiniões é algo extremamente sério. Porque tê-las é insuficiente. É necessário fundamentá-las. E só as poderemos fundamentar verdadeiramente gerando evidência. E aí aqui que nos surgem as dificuldades. Em áreas como a Nutrição Artificial, gerar evidência tem sido uma dificuldade. Escasseiam ensaios clínicos, metodologias robustas e estandardização, para que possamos obter conclusões válidas que apoiem as nossas decisões futuras.

Não poderia terminar sem mencionar o esforço efectivado pela indústria farmacêutica em colocar bolsas de NP pediátricas no mercado. Em casos particulares, e ressalvando que a manipulação deve ser um ato de exceção, enfatize-se que estas bolsas podem ser uma opção válida em centros com reduzida capacidade de produção ou, por outro lado, em contextos como o atual de pandemia. Importa ter um plano alternativo caso os serviços farmacêuticos deixem de poder assegurar a sua normal produção. Deste modo, e confiando que a constituição destas bolsas possa estar cada vez melhor adaptada às necessidades da população pediátrica, é expectável que futuramente possam tornar-se na primeira escolha mesmo nos casos mais particulares como o dos RN prematuros.

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