Conseguir uma nova forma terapêutica para a tuberculose completamente fora do que é usual até à data. Este é o grande objetivo do estudo “Role of Cathepsins in Mycobacterium tuberculosis Survival in Human Macrophages” realizado pelos investigadores Prof.ª Doutora Elsa Anes (coordenação), Dr. David Pires e Dr. Nuno Carmo do Grupo Interações Hospedeiro Patógeno do Instituto de Investigação do Medicamento (iMed. ULisboa) da FFULisboa.
“Nãos será um antibiótico nem uma vacina, será uma molécula capaz de induzir as nossas capacidades inatas de ativar enzimas que digerem o bacilo da tuberculose. Esta estratégia de controlo da infeção poderá ser usada como coadjuvante, em combinação com os antibióticos ou com a vacinação”, adianta a coordenadora deste estudo, que foi distinguido com o 3.º lugar do Prémio Janssen Inovação 2016, na categoria de Infecciologia.
A professora da FFULisboa explica que os investigadores envolvidos estão a tentar perceber “a resposta mais natural e inata do organismo à infeção pelo bacilo de Koch e a descobrir alvos do hospedeiro que são silenciados pelo bacilo, como manobra deste poder sobreviver nas células infetadas”.
Neste estudo, é explorado a interação do bacilo da tuberculose com as células imunes, sobretudo aquelas que dão uma resposta inata mais primária à infeção, sendo que também é estudada a forma como o bacilo manipula essas células para poder sobreviver. De facto, o bacilo da tuberculose é um patógeno que sobrevive, no hospedeiro, em células desenhadas para matar e controlar infeções. Deste modo, diz a Prof.ª Doutora Elsa Anes que a investigação “tem o objetivo de tentar subverter este sistema e descobrir que alvos é que foram silenciados para os ligar novamente e voltar a repor a capacidade bactericida das células”.
No caso particular do referido prémio, “a investigação foi dirigida às catepsinas, que são enzimas digestivas existentes num compartimento celular (lisossomas) e que estão desenhadas para digerir e destruir o que a esse vacúolo celular chegue, inclusive o bacilo da tuberculose. Durante esta investigação descobrimos que o bacilo, ao infetar estas células, manipula a vários níveis a atividade das catepsinas, desde a expressão ao nível dos genes, a quantidade de proteína que é produzida até à atividade”, refere a coordenadora do estudo.
“Ao tentarmos perceber como é que o sistema ficou ‘off’, descobrimos também maneiras de o voltar a ativar e essa é a grande inovação que agora exige mais pesquisa para o futuro”, evidencia a Prof.ª Doutora Elsa Anes, referindo que essa investigação vai ser imediata para nos próximos dois anos e, segundo refere, “se se concretizar o que prevemos, vamos ter uma potencial molécula para passar a uma fase mais clínica, desde que possamos combinar com formas de entregar a molécula às células alvo, portanto será feita manipulação farmacêutica. Se provarmos que o que suspeitamos está certo, temos um potencial mecanismo para ser usado como terapêutica”.
E a grande inovação é que esta potencial terapêutica não é um novo antibiótico nem uma nova vacina. Trata-se de uma manipulação do sistema para responder à infeção. “Insere-se na imunoterapia, mas não é imunoterapia por anticorpos nem células, mas sim por componentes das próprias células”, especifica a professora da FFULisboa
Um longo caminho a percorrer
Como é sabido, antes de se descobrir uma potencial opção terapêutica ainda vão passar cerca de 10 anos. Isto porque, depois de se confirmarem as potencialidades, serão realizados ensaios clínicos, para se verificar se manipulando algo da célula não se torna tóxico para a própria célula, pois se há uma resposta normal da célula que é manipulada até que ponto não poderá afetar outras funções celulares importantes. Será, assim, necessário investigar, para mais tarde arranjar uma forma de entregar a molécula mais específica para os macrófagos infetados e tentar salvaguardar as outras células, isto é, há que encontrar uma maneira de apenas serem afetadas as células infetadas.
A distinção destes investigadores também é fundamental para que este percurso venha a acontecer. “Não tanto pelo valor pecuniário de 10 mil euros”, conforme comenta a Prof.ª Doutora Elsa Anes, “mas sobretudo pelo prestígio e reconhecimento de que estamos a fazer um trabalho de qualidade, não só pelos pares científicos (o artigo foi publicado no Scientific Reports), mas também pela indústria farmacêutica tão proeminente como é o caso da Janssen. Dá-nos força e confirma que vamos no bom caminho e que é para continuar”.