Está em marcha uma mudança de paradigma no âmbito da saúde mental em Portugal. Mas sendo a mudança inevitável, optar pelo progresso e pela evolução depende de cada um de nós. A pandemia de COVID-19, bem como o contexto de guerra atual, levou a que a sociedade resgatasse o tema da saúde mental para a ordem do dia, pelas mais variadas razões, levando a que os transtornos de saúde mental deixassem de ser encarados como um “problema dos outros”, para passarem a ser vistos como um problema que pode afetar qualquer um de nós. Esta é uma oportunidade única, não só para falar de saúde mental, como também para, finalmente, implementar as medidas que permitirão reduzir o impacto das perturbações mentais e contribuir para a promoção da saúde mental da nossa população. Mas estará o nosso sistema de saúde preparado para responder à carga global das doenças mentais?
De acordo com os resultados do primeiro estudo epidemiológico nacional sobre saúde mental, realizado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Portugal é um caso único, no espaço europeu, no que toca à prevalência de perturbações mentais, sendo o segundo país da Europa com a mais elevada prevalência de perturbações psiquiátricas – mais de um quinto dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (22,9 %). Estes números são, sem dúvida, motivo de preocupação e devem fazer-nos pensar.
O progresso científico permitiu-nos compreender que a saúde mental e as perturbações mentais resultam assim de uma interação complexa entre fatores biológicos e fatores ambientais, pelo que, para uma estratégia eficaz de prevenção e tratamento das doenças mentais, é necessário que continuemos a escrutinar as políticas de saúde (e não só) que se ligam à saúde mental e aos seus determinantes.
É consensual que a área da saúde mental em Portugal tem sido alvo de um subfinanciamento crónico, responsável por um atraso na implementação de programas de prevenção e intervenção dedicados à saúde mental, nomeadamente os propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotados pelos sistemas de saúde de referência na Europa e no mundo. Apesar de dispormos de um Plano Nacional de Saúde Mental (PNSM), este não está ainda implementado. Embora tenhamos verificado alguns avanços, nos últimos anos, no que toca à transição de serviços e cuidados para a comunidade, a colocação em prática de medidas deste plano, em várias áreas-chave, acabou por ser protelada e o país tem vindo a afastar-se das metas preconizadas pela OMS para assegurar o acesso a cuidados de saúde mental de qualidade.
Atualmente, suportados pelo Plano de Recuperação e Resiliência, temos novamente a esperança de que Portugal se possa juntar ao movimento de mudança que se vislumbra a nível europeu, priorizando a saúde mental e o bem-estar da população, com a implementação das estratégias estabelecidas no PNSM. Neste caminho, a criação de respostas para assegurar cuidados de saúde mental sustentáveis a longo prazo passa justamente por mobilizar os recursos, dotando os cuidados de saúde primários e hospitalares de profissionais especialistas em saúde mental, não abdicando nunca da promoção do conhecimento sobre a prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças psiquiátricas.
A aposta em mecanismos que aumentem a literacia em saúde da comunidade não tem ainda o destaque que merece. Apesar de se multiplicarem as iniciativas de sensibilização do público em geral para o tema da saúde mental, Portugal carrega ainda o peso de décadas em que esta esteve envolta em preconceitos, mitos e desinformação. E para este desafio, é preciso uma resposta “sem rodeios”. Uso esta expressão para vos deixar um exemplo concreto de um projeto de promoção da literacia em saúde mental: A "Depressão sem Rodeios", uma campanha da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, da European Depression Association, da Federação Familiarmente, da associação Manifestamente, com o apoio da Lundbeck Portugal, lançada com o objetivo de alertar a população para a necessidade de procurar ajuda médica atempadamente e reduzir o estigma e a desvalorização associados a esta patologia mental tão prevalente no nosso país.
Em 2030, as perturbações por depressão deverão ser a principal causa da carga global com doenças. São iniciativas como a que referi que contribuem, cada vez mais, para a desconstrução dos perigosos mitos e crenças que continuam a ser, infelizmente, associados à depressão e ao seu tratamento. Na verdade, as ideias preconcebidas e pouco fundamentadas da sabedoria popular em nada ajudam na procura de respostas terapêuticas, cuja recente evidência científica está já longe de poder ser contestada.