Por uma Saúde Mental sem rodeios

Dr.ª Sara Barros
27/04/23
Por uma Saúde Mental sem rodeios

As políticas nacionais a implementar de suporte aos cuidados apropriados para a Saúde Mental, a aposta em mecanismos que aumentem a literacia em Saúde da população e as evidências científicas que contrariam mitos e crenças da sociedade sobre a depressão e o tratamento são retratados no artigo de opinião escrito pela country manager da Lundbeck Portugal, Dr.ª Sara Barros, que analisa também outros aspetos.

Está em marcha uma mudança de paradigma no âmbito da saúde mental em Portugal. Mas sendo a mudança inevitável, optar pelo progresso e pela evolução depende de cada um de nós. A pandemia de COVID-19, bem como o contexto de guerra atual, levou a que a sociedade resgatasse o tema da saúde mental para a ordem do dia, pelas mais variadas razões, levando a que os transtornos de saúde mental deixassem de ser encarados como um “problema dos outros”, para passarem a ser vistos como um problema que pode afetar qualquer um de nós. Esta é uma oportunidade única, não só para falar de saúde mental, como também para, finalmente, implementar as medidas que permitirão reduzir o impacto das perturbações mentais e contribuir para a promoção da saúde mental da nossa população. Mas estará o nosso sistema de saúde preparado para responder à carga global das doenças mentais?

De acordo com os resultados do primeiro estudo epidemiológico nacional sobre saúde mental, realizado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Portugal é um caso único, no espaço europeu, no que toca à prevalência de perturbações mentais, sendo o segundo país da Europa com a mais elevada prevalência de perturbações psiquiátricas – mais de um quinto dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (22,9 %). Estes números são, sem dúvida, motivo de preocupação e devem fazer-nos pensar.

O progresso científico permitiu-nos compreender que a saúde mental e as perturbações mentais resultam assim de uma interação complexa entre fatores biológicos e fatores ambientais, pelo que, para uma estratégia eficaz de prevenção e tratamento das doenças mentais, é necessário que continuemos a escrutinar as políticas de saúde (e não só) que se ligam à saúde mental e aos seus determinantes.

É consensual que a área da saúde mental em Portugal tem sido alvo de um subfinanciamento crónico, responsável por um atraso na implementação de programas de prevenção e intervenção dedicados à saúde mental, nomeadamente os propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotados pelos sistemas de saúde de referência na Europa e no mundo. Apesar de dispormos de um Plano Nacional de Saúde Mental (PNSM), este não está ainda implementado. Embora tenhamos verificado alguns avanços, nos últimos anos, no que toca à transição de serviços e cuidados para a comunidade, a colocação em prática de medidas deste plano, em várias áreas-chave, acabou por ser protelada e o país tem vindo a afastar-se das metas preconizadas pela OMS para assegurar o acesso a cuidados de saúde mental de qualidade.

Atualmente, suportados pelo Plano de Recuperação e Resiliência, temos novamente a esperança de que Portugal se possa juntar ao movimento de mudança que se vislumbra a nível europeu, priorizando a saúde mental e o bem-estar da população, com a implementação das estratégias estabelecidas no PNSM. Neste caminho, a criação de respostas para assegurar cuidados de saúde mental sustentáveis a longo prazo passa justamente por mobilizar os recursos, dotando os cuidados de saúde primários e hospitalares de profissionais especialistas em saúde mental, não abdicando nunca da promoção do conhecimento sobre a prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças psiquiátricas.

A aposta em mecanismos que aumentem a literacia em saúde da comunidade não tem ainda o destaque que merece. Apesar de se multiplicarem as iniciativas de sensibilização do público em geral para o tema da saúde mental, Portugal carrega ainda o peso de décadas em que esta esteve envolta em preconceitos, mitos e desinformação. E para este desafio, é preciso uma resposta “sem rodeios”. Uso esta expressão para vos deixar um exemplo concreto de um projeto de promoção da literacia em saúde mental: A "Depressão sem Rodeios", uma campanha da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, da European Depression Association, da Federação Familiarmente, da associação Manifestamente, com o apoio da Lundbeck Portugal, lançada com o objetivo de alertar a população para a necessidade de procurar ajuda médica atempadamente e reduzir o estigma e a desvalorização associados a esta patologia mental tão prevalente no nosso país.

Em 2030, as perturbações por depressão deverão ser a principal causa da carga global com doenças. São iniciativas como a que referi que contribuem, cada vez mais, para a desconstrução dos perigosos mitos e crenças que continuam a ser, infelizmente, associados à depressão e ao seu tratamento. Na verdade, as ideias preconcebidas e pouco fundamentadas da sabedoria popular em nada ajudam na procura de respostas terapêuticas, cuja recente evidência científica está já longe de poder ser contestada.

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