Doenças reumáticas: o horizonte até 2030

Dr. Luís Cunha Miranda
07/06/22
Doenças reumáticas: o horizonte até 2030

O novo Plano Nacional de Saúde (PNS) será publicado brevemente, com atuação até 2030, no qual estão contempladas estratégias e objetivos para a Saúde em Portugal. O Dr. Luís Cunha Miranda, do Instituto Português de Reumatologia, dissertou sobre a temática, relacionando-a com as doenças reumáticas e musculoesquelético. Leia o artigo de opinião.

Existe um novo Plano Nacional de Saúde (PNS) que irá ser brevemente publicado e tem como horizonte temporal até 2030, são cerca de 300 páginas onde supostamente estaria plasmado um guião para a melhoria da saúde do portugueses e com estratégias claras e objectivos que tivessem em conta o impacto das diversas doenças quer em termos de mortalidade, mas igualmente de incapacidade e qualidade de vida.

Fala-se que a esperança de vida em Portugal tem vindo a crescer, mas que nos últimos anos de vida os nossos idosos são dos que vivem esses anos com pior qualidade de vida. As doenças reumáticas e músculoesqueléticas (DRM) são de entre as doenças que afetam o idoso aquelas que mais contribuem para essa perda de qualidade de vida. E foi com esse pressuposto que revi o PNS 2021-2030 tentando vislumbrar quais as estratégias para além da redução da mortalidade de algumas doenças qual a visão estratégica para o envelhecimento e para a incapacidade.

As primeiras quase 200 páginas são acerca de indicadores e enquadramento que vai desde a demografia ao acesso à água potável ao COVID-19 (cuja relevância para 2030 me escapa).

Contudo ao longo do documento fomos aprendendo que a DGS e os seus peritos conseguem inventar conceitos e termos não utilizados por mais ninguém no mundo médico. As DRMs, que poderia ser apenas doenças reumáticas, passaram a chamar-se em Portugal e apenas aqui de doenças osteomusculares algo profundamente errado quer em termos de conceito quer em termos de nomenclatura. Mas ficámos igualmente a saber como dados interessantes que estas doenças são as que mais incapacidade têm e que aumentaram de forma muito significativa de 2009 a 2019.

Assim as DRMs  em termos de Disability Adjusted Life Years (DALYs), foram as que mais subiram de 2009 a 2019. Em conjunto com a lombalgia, ela também uma DRM, aumentaram 16,5 % e correspondem a 7 % do total dos DALYs  de todas as doenças o que as torna nas doenças com maior incapacidade.

Se a isso associarmos a análise da carga de doença e incapacidade Years Lived with Disability (YLDs) em que as DRMs há uma aumento de 33,1 % de 2009 a 2019 encontrando-se as diversas DRMs em lugar de destaque neste indicador de carga da doença (1.º lugar dores lombares, 6.º osteoartrite, 7.º outras doenças osteomusculares, 10.º dores cervicais) o que na sua totalidade correspondem a 21,7 % de todos os YLDs, sendo que a doença a seguir a depressão tem 6,8 % de impacto ou seja 1/3 do impacto das DRMs.

Podemos afirmar que as DRMs são as doenças com maior crescimento em impacto em DALYs e YLDs e que apesar disso foram negligenciadas e diminuídas numa estratégia nacional de saúde cujas prioridades não se coadunam com os impactos quer na sustentabilidade quer na visão estratégica para um plano de saúde para 2030.

O PNS tem algumas situações que sendo caricatas não deixam de refletir que os lobbies existem. Assim no documento temos um realce exagerado para duas patologias importantes, mas cujo impacto real é cada vez mais diminuto.

No documento existe esta passagem “A tuberculose e a infeção por VIH são, também, de considerar, pois, embora de incidência decrescente, apresentam, ainda, magnitude relevante.” A DGS faz uma assunção política e não técnica pois a taxa de mortalidade do VIH ou da tuberculose é manifestamente muito inferior e com menor impacto que outras doenças infectocontagiosas e mesmo doenças reumáticas como a artrite reumatoide, a artrite psoriásica, a osteoporose fraturária ou o lúpus eritematoso sistémico (LES). Portanto a sua magnitude decorre de existirem Programas Nacionais específicos na DGS e uma visibilidade mediática e não um real impacto económico, social, de mortalidade ou outro. Aliás existe um aumento descrito de doenças sexualmente transmissíveis que não o HIV e essas não são consideradas em estratégias específicas para a sua redução. Nem a irradicação da hepatite C está comtemplada apesar de exequível.

Obviamente que a redução da mortalidade em diversas neoplasias bem como em eventos cardiovasculares ou diabetes deviam, e são, prioridades nacionais no PNS mas ao deixar de lado múltiplas patologias reumáticas e não reumáticas estamos a repetir fórmulas do século passado e a empurrar uma população, que vai ser brevemente um das cinco mais envelhecidas do mundo, para um envelhecimento penoso e sem qualidade de vida.

Os peritos da DGS derivam das coordenações dos programas setoriais e esses programas têm valor efetivo de visibilidade, mas igualmente de acesso a financiamentos para projectos, sem quotas por programas,  o que implica que vários milhões disponibilizados são desde há vários anos dominados por algumas poucas doenças.

Ao avaliar o PNS este é desajustado ao potencial negativo da incapacidade e carga da doença das DRMs e de outras doenças (ex. neurológicas ou de saúde mental) que não sendo associadas a mortalidade tem um tremendo impacto em todas as estratégias que vão desde os recursos humanos em saúde, acessibilidade, custos diretos e indiretos e à própria sustentabilidade futura do sistema. Das doenças com baixa mortalidade associada são “eleitas” duas doenças com mínima carga de doenças quando comparada com o Alzheymer, a depressão, o LES ou a artrite reumatoide por exemplo.

Por fim, resta questionar à DGS tendo em conta que existem 12 programas prioritários e 11 não prioritários qual a razão para a passagem do Programa Nacional Contra as Doenças Reumáticas (PNCDR) tenha sido iniciado em 2004 como prioritário terminado em 2014 e nunca tenha sido retomado. Talvez esteja encontrada nessa decisão serem as DRMs as doenças com maior aumento de impacto tal como o PNS determina no seu texto.

Vivemos tempos de grande exigência técnica, científica, mas igualmente de questões como sustentabilidade do SNS e da segurança social e o PNS deve ser um documento com rasgo intelectual, com visão de futuro e principalmente técnica e cientificamente sólido. Este que será publicado com poucas ou nenhumas emendas é apenas um documento de politiquice em saúde com os grupos de pressão a funcionar, de espertos em vez de experts, a valorizar determinadas especialidades e profissionais de saúde em detrimento de outros porventura mais capacitados.

No caso da Reumatologia é o PNS das doenças osteomusculares e, portanto, sem articulações o que indica a sua profunda anquilose e aversão ao movimento e à mudança parado à espera dum envelhecimento sem qualidade  mas cheio de incapacidade.

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