Sociedade Portuguesa de Contraceção: “Houve realmente um impacto da pandemia”

02/06/21
Sociedade Portuguesa de Contraceção: “Houve realmente um impacto da pandemia”

“Houve um decréscimo das mulheres que usavam métodos de longa duração e houve um shortcut para as mulheres que usavam a pílula”, destaca a Dr.ª Fátima Palma, presidente da Sociedade Portuguesa de Contraceção, em entrevista à News Farma. Qual o impacto da pandemia, as diferenças entre o primeiro e o segundo confinamento e ainda os riscos que isso acarreta foram alguns dos tópicos abordados. Leia a entrevista na íntegra.

News Farma (NF) | Qual é a realidade de Portugal no contexto das consultas de planeamento familiar?

Dr.ª Fátima Palma (FP) | A situação modificou-se desde que estamos nesta pandemia. As coisas têm vindo a ficar diferentes também à medida que o tempo vai passando. Nós, Sociedade Portuguesa de Contraceção, fizemos um inquérito, há um ano, que teve a ver com os resultados que obtivemos na primeira fase da pandemia e, nessa altura, o que percebemos é que a maior parte dos centros de saúde ficaram alocados a situações COVID, não tinham equipamentos de proteção individual e houve alguma modificação nas consultas de atendimento e planeamento familiar que passaram a funcionar principalmente por telefone. Foram, essencialmente, teleconsultas e isso verificou transversalmente na grande maioria dos centros de saúde. Houve realmente um impacto da pandemia. Neste momento e neste segundo confinamento, as coisas já funcionaram de forma diferente: os centros de saúde continuaram abertos, com consultas, nomeadamente as de planeamento familiar que, apesar de serem consideradas como prioritárias, houve ainda algumas que continuaram a funcionar em teleconsultas. O que é que resultou de tudo isto? As mulheres que utilizavam principalmente métodos de curta duração nomeadamente a pílula mantiveram a utilização destes métodos. Este foi um dos resultados que obtivemos no inquérito porque era mais fácil ou ir buscar ao centro de saúde ou ir à farmácia levantar a prescrição enviada eletronicamente. As mulheres que usavam métodos de longa duração e que estavam na altura de trocar é que foi mais difícil exatamente pelo facto de as consultas terem passado a teleconsultas. Além disso, houve um decréscimo das mulheres que usavam métodos de longa duração e houve um shortcut para as mulheres que usavam a pilula. Neste momento, penso que as coisas estão a começar a ficar mais regularizadas. Neste momento, ainda não temos dados oficiais. De qualquer forma, no ano passado, a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar lançou algumas guidelines, para os colegas, relembrando que as consultas de planeamento familiar deviam ser prioritárias sob o formato teleconsulta, que as situações de interrupção voluntária de gravidez deviam ser orientadas para os hospitais da área, que as consultas de pós-parto se fizessem no hospital ou também seriam prioritárias nos centros de saúde. Isso lançou algumas linhas de orientação. Portanto, as coisas estão a voltar, progressivamente, ao normal.

NF | A contraceção de longa duração foi a mais afetada. Esta situação trouxe mais riscos às mulheres?

FP |Ainda não sabemos muito bem o que aconteceu em 2020, porque ainda não temos dados oficiais. A contraceção de longa duração é mais eficaz. O facto de as mulheres passarem a utilizar mais pílula é uma contraceção menos eficaz e dependente da utilizadora. Ainda não sei dizer se isso se refletiu no número de gravidezes não planeadas ou que possam eventualmente terem terminado em interrupção de gravidez. O que é certo é que durante o ano que passou tivemos menos nascimentos. Aliás, foi o ano, dos últimos anos, em que houve menos nascimentos. Ainda não temos os dados oficiais dos dados de interrupção da gravidez. Não sabemos ainda muito bem o que é que isso eventualmente pode significar.

NF | Ainda existe uma grande desvalorização destas consultas por parte da população?

FP | Em 2015, foi feita uma avaliação das práticas contracetivas das mulheres em Portugal e realmente as mulheres não vão muito às consultas de planeamento familiar até porque com o aparecimento de uma série de hospitais privados com consultas de Ginecologia de acesso mais fácil, penso que houve um desvio das mulheres que vão a consultas de Ginecologia, em que falam com o seu especialista sobre os rastreios e o seu método contracetivo. Neste momento existe um misto de utilização do Serviço Nacional de Saúde e da Medicina privada; as mulheres vão menos aos Cuidados de Saúde Primários (CSP), mas também tem sido feita uma sensibilização muito grande ao nível dos métodos contracetivos. Tendo em conta que tem havido um incentivo muito grande com a utilização de métodos de longa duração e para isso é necessário realmente ir aos CSP ou ao ginecologista; penso que, nos últimos anos, as pessoas têm uma maior noção de que é importante fazerem o seu planeamento familiar ou a sua contraceção. No entanto, se vão realmente aos cuidados primários ou ao seu ginecologista isso é que já não sei responder. Provavelmente, será uma parte importante da população, cerca de 60 que vai à Medicina privada e 40 que vão aos CSP.

Com a passagem do tempo, as pessoas têm alguma consciência. Somos um país que utiliza contraceção. Temos uma taxa efetiva de utilização de contraceção, nos últimos resultados das Nações Unidas, que rondam os 70%. Portanto, onde é que estas pessoas vão buscar a recomendação e onde é que vão buscar as orientações para utilizarem contraceção? A maioria das pessoas, neste momento, vai buscar essa orientação aos CSP e ao seu ginecologista, principalmente as classes etárias a partir dos 20 anos. Essa sensibilização faz com que essas pessoas tenham mais cuidado no sentido de procurarem os CSP ou a consulta com o ginecologista. Portanto, acho que à medida que o tempo tem vindo a passar tem havido uma maior sensibilização e eu acho que neste momento há uma maior utilização das consultas do que havia por exemplo há 15 anos. Até porque se modificou muito a atuação dos centros de saúde, já que têm diferentes tipologias, estão mais próximos da população, existem mais centros de saúde e eu acho que isso tem melhorado o contacto… Não posso dizer que isto acontece no país todo, mas pelo menos nas áreas que conheço. Trabalho na Maternidade Alfredo da Costa e há ali uma região que sinto que as mulheres utilizam os CSP para fazer os seus rastreios e as suas consultas. Claro que tem de continuar a haver alguma sensibilização, porque se há um funcionamento deficiente dos CSP a este nível claro que as pessoas se vão afastar e vão deixar de ir.

NF | Enquanto presidente da Sociedade Portuguesa de Contraceção, que mensagem de sensibilização gostaria de deixar sobre as consultas de planeamento familiar?

FP | O mais importante é que, por um lado, as pessoas procurem conhecer o que é que existe em Portugal, a nível da contraceção e dos métodos contracetivos. Não é uma questão financeira, já que as consultas de planeamento familiar são gratuitas nos cuidados primários de saúde, os métodos contracetivos são gratuitos e são fornecidos gratuitamente, pelo menos a grande maioria. Aqueles que não são de disponibilização gratuita, na sua grande maioria, são comparticipados, desde que tenham uma prescrição médica. Todos os métodos contracetivos modernos estão à disposição da população portuguesa. Existem ainda alguns mitos e preconceitos na utilização de alguns métodos relacionados com algumas doenças e patologias que é importante desmistificar. Acho que as pessoas, em vez de procurarem as informações em sítios pouco fidedignos, devem recorrer ao seu médico de medicina geral e familiar ou do seu ginecologista sempre que surja alguma dúvida e que procurem fazer o seu aconselhamento contracetivo com as pessoas que os podem verdadeiramente ajudar. Acho que é muito importante a população portuguesa perceber que nós temos uma excelente lei do planeamento familiar e que isso nos permite usufruir de um dos principais direitos em saúde sexual e reprodutiva que é as pessoas poderem escolher quando, como e com quem querem ter os seus filhos e se eventualmente os querem ter e que possam não ter as gravidezes não planeadas com tudo o que isso acarreta a nível psicológico. Existe, em Portugal, os cuidados de saúde que o SNS tem ao dispor das mulheres portugueses oferecem condições para que isso aconteça.

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