A incontinência urinária e a importância da monitorização à distância

Dr.ª Ana Lopes, técnica superior de diagnóstico e terapêutica na Unidade de Urodinâmica, no Serviço de Urologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto
18/03/21
A incontinência urinária e a importância da monitorização à distância

Conheça a opinião da técnica superior de diagnóstico e terapêutica na Unidade de Urodinâmica, no Serviço de Urologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, Dr.ª Ana Lopes sobre a importância de monitirizar, à distância, a incontinência urinária.

A incontinência urinária (IU) pode ser considerada um problema de saúde pública, afetando um número elevado de pessoas em todo o mundo. Apesar de ser uma patologia prevalente e com comorbilidades importantes, é ainda aceite pela sociedade, sobretudo as mulheres, como um problema “normal” do envelhecimento ou na sequência dos partos. 

No entanto, esta postura tem vindo a alterar-se, sendo que hoje as mulheres são muito mais proativas na busca de soluções. Isto acontece, porque os sintomas da IU têm um impacto devastador na qualidade de vida destes doentes, por promover o isolamento e fuga sociais e a baixa autoestima.

Em Portugal, segundo a Associação Portuguesa de Urologia, estima-se a existência de 600 mil pessoas com IU nas várias faixas etárias, tendo tendência para aumentar com o envelhecimento da população. O sexo feminino é o mais afetado, entre os 45 e 65 anos, sendo que a proporção de casos de IU é de três mulheres para cada homem. 

Genericamente, são descritas três categorias de incontinência como sendo as mais frequentes: a incontinência urinária de esforço (IUE), que se carateriza pela queixa de perda involuntária de urina durante a existência de esforço; a incontinência urinária de urgência (IUU), definida pela perda de urina associada ao desejo imperioso de ir urinar, sendo difícil adiar a ida à casa de banho; a incontinência urinária mista (IUM), que consiste numa associação dos sintomas da IUE e IUU em simultâneo.

Para prevenir o agravamento destas situações, é essencial a adoção de um estilo de vida saudável, ter em atenção a saúde pélvica e manter uma atitude proativa perante os sintomas. O prognóstico será tanto melhor quanto mais cedo for procurada a ajuda necessária.

A forma mais conhecida de Incontinência urinária é a IUE, que tem como tratamentos a abordagem conservadora, através da reeducação do pavimento pélvico, e os procedimentos cirúrgicos. No caso da Incontinência de urgência, esta apresenta um maior desafio, e a abordagem terapêutica inicial passa por uma alteração comportamental e farmacoterapia. 

No entanto, é relativamente frequente que haja uma má resposta ou baixa adesão por intolerância a estes fármacos. Nestes casos, apresenta-se como opção terapêutica a injeção de toxina botulínica intravesical, que tem como objetivo evitar que a bexiga se contraia involuntariamente e, desta forma, leve à perda de urina. Além desta opção, temos também a neuromodulação sagrada. Esta última terapêutica consiste na implantação de um estimulador, em tudo idêntico ao pacemaker cardíaco, que irá, através da estimulação elétrica dos nervos da região sagrada, devolver a normal função da bexiga.  

Após os testes de eficácia da terapia e da colocação do estimulador definitivo, é possível definir parâmetros de tratamento personalizados e adequados a cada caso. Hoje, com o avanço da tecnologia, os novos dispositivos são recarregáveis. Para além de oferecerem uma longevidade de 15 anos, o sistema permite ainda dar autonomia ao doente através do controlo de alguns parâmetros utilizando um simples smartphone. 

Como consequência da situação pandémica, os profissionais de saúde depararam-se com desafios acrescidos. O ano 2020 foi um teste à capacidade de se continuar a dar a resposta necessária aos doentes, mesmo que à distância. A sociedade Europeia de Urologia estima que 81% das consultas por IU feminina tenham sido adiadas e que 84,7% dos doentes, do universo da urologia, tenhas sido acompanhados por teleconsultas. 

Mas nem tudo são aspetos negativos, antes pelo contrário. Acredito que, em momentos de adversidade como estes que vivemos, emergem oportunidades de fazer mais e melhor. Já existem vários estudos, uns concluídos e outros ainda a decorrer, sobre o impacto que a telemedicina e a monitorização remota tiveram nos cuidados prestados. E a comunidade científica parece concordar com o facto de a telemonitorização ter vindo para ficar.

No caso particular dos doentes a quem é proposto o neuromodulador como tratamento, é essencial esta possibilidade de acompanhamento, onde mesmo à distância podemos fazer o seguimento da terapia, avaliar os seus parâmetros de forma personalizada, promover atitudes, alterar a programação, realizar avaliações e decidir sempre que é necessário a visita presencial ou uma avaliação específica.

É, no entanto, necessário trabalhar a relação profissional de saúde – doente, que será determinante na adesão terapêutica, reconhecimento de sintomas, comunicação atempada de efeitos indesejáveis e sua resolução. É essencial dotar o doente dos meios necessários para que este passe a ser membro integrante da equipa de saúde e não um mero espectador.

Se me perguntarem como vejo o futuro do acompanhamento destes pacientes com IU e portadores de um neuromodulador, afirmo com toda a certeza de que passará sem dúvida pela monitorização à distância. Esta dá-nos ainda a possibilidade de chegar a qualquer ponto do país, de forma equitativa e justa, permitindo que mais doentes possam ter acesso aos tratamentos de que necessitam. Esta ferramenta permite o seguimento e avaliação fora do ambiente hospitalar, estando o doente no seu quotidiano, reduzindo os custos com as deslocações e a perda de horas produtivas.

Enquanto profissional de saúde dedicada à urologia funcional e neuromodulação, acredito que informação é poder. Nesse sentido, quanto mais esforços se fizerem para combater a iliteracia em saúde, mais próximos estaremos de eliminar os medos, as vergonhas e os tabus associados à incontinência. A ajuda existe, os tratamentos mais inovadores estão disponíveis, a possibilidade de monitorização à distância é uma realidade. Por isso, não faz sentido permanecer sem procurar tratamento. 

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