Doença inflamatória intestinal: Realidade atual

Prof. Doutor José Cotter, presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
16/05/16
Doença inflamatória intestinal: Realidade atual

Quando de uma forma generalista se fala em doença inflamatória intestinal, estamos a englobar num mesmo grupo nada mais que duas patologias: doença de Crohn e colite ulcerosa.

A primeira pode atingir qualquer segmento do tubo digestivo (embora na maior parte dos casos atinja o intestino delgado e/ou o intestino grosso) enquanto a segunda atinge apenas o intestino grosso. Este atingimento traduz-se por inflamação, ulceras, podendo ainda ocorrer estenoses e algumas complicações como sejam mais frequentemente abcessos e fistulas.

Ambas as doenças podem ter atingimento extra intestinal, nomeadamente osteoarticular, hepatobiliar, ocular ou dermatológico, envolvimento esse que frequentemente interfere de forma significativa com a qualidade de vida.

O diagnóstico faz-se por um conjunto de elementos clínicos, analíticos, imagiológicos, endoscópicos e histológicos. Ambas são doenças crónicas que evoluem ao longo do tempo sob a forma de surtos intercalados com períodos de acalmia, não existindo ainda uma cura definitiva para as mesmas apesar dos grandes progressos nos tratamentos a que se tem assistido nos últimos anos. A inexistência da cura estará relacionada com o facto de se desconhecer com exatidão os fatores desencadeantes que originam o aparecimento da doença.

A colite ulcerosa e a doença de Crohn têm vindo a estar cada vez mais em foco porque se tem assistido a um aumento da incidência a nível mundial, com especial destaque para os países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.

Em Portugal estima-se que existam cerca de 150 doentes por cada 100 000 habitantes, distribuídos igualmente por ambas as doenças, com predomínio do sexo feminino, atingindo na maioria o escalão etário dos 17-39 anos na doença de Crohn e dos 40-64 anos na colite ulcerosa. Portugal tem assim uma prevalência intermédia entre os países em que a doença é mais frequente e os países de mais baixa frequência, embora exista a perceção de que os novos casos estão a aumentar.

A colite ulcerosa e a doença de Crohn são doenças gastrenterológicas por excelência, pois a especificidade clinica e terapêutica, associadas à importância assumida pela endoscopia no diagnóstico e estadiamento, faz com que estes doentes devam sistematicamente estar referenciados a consultas de Gastrenterologia.

De notar que a endoscopia tem ainda um papel terapêutico importante em algumas circunstancias, nomeadamente na resolução de algumas estenoses. Revela-se ainda muito importante na vigilância, sabendo-se que esta é especialmente recomendada após dez anos de doença cólica, em que o risco de aparecimento de lesões displásicas e consequente cancro do cólon é significativamente maior, podendo a colonoscopia com biópsias melhorar o seu diagnóstico precoce, nomeadamente se complementada com cromoscopia com corantes vitais ou mais modernamente com os sistemas de cromoendoscopia eletrónica, incorporados nos mais recentes e sofisticados aparelhos de endoscopia.

Uma palavra ainda para a cápsula endoscópica, que ao permitir o acesso ao intestino delgado permitiu observar, em alguns casos em “real-time”, toda a extensão do intestino delgado e simultaneamente quantificar de forma objetiva a atividade inflamatória. Pela sua sensibilidade, este método tem-se revelado confirmadamente de grande utilidade na avaliação inicial da doença de Crohn, bem como no “follow-up”. Desenvolvem-se neste momento estudos que visam a observação completa do intestino delgado e intestino grosso com uma única cápsula endoscopica, o que se poderá traduzir por uma menor invasividade e um maior conforto para o doente quando comparado com a utilização de outros métodos utilizados com o mesmo objetivo.

Os tratamentos para a doença inflamatória intestinal têm evoluído extraordinariamente nos últimos anos, muito à custa da adoção dos fármacos biológicos, utilizados nos casos mais graves ou naqueles resistentes a outras terapêuticas. Medicação anti-inflamatória especifica destas doenças e imunossupressores são os fármacos mais utilizados e prescritos mais frequentemente quando a doença tem uma atividade ligeira ou moderada. Quando não se revelam suficientes para controlar a atividade da doença, utilizam-se mais modernamente os medicamentos biológicos que se revelam muito eficazes não só no tratamento das agudizações, mas também na prevenção de recidivas ou complicações, ou mesmo de cirurgias, estas essencialmente reservadas para as complicações ou situações de intratabilidade médica.

Sabendo-se que não existe na doença inflamatória intestinal uma terapêutica curativa, o objetivo do tratamento passa por manter a doença em remissão, com consequente melhoria da qualidade de vida. Esta questão revela-se essencial, pois sendo a doença de Crohn e a colite ulcerosa doenças benignas, têm pelas suas características uma enorme penalização, quando mal controladas, nessa qualidade de vida, diminuindo-a significativamente.

Como a doença inflamatória intestinal tem uma grande importância para os gastrenterologistas, ao longo do tempo e mais marcadamente nos últimos anos, a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia tem tido uma enorme preocupação nesta área no âmbito da formação pós-graduada, no apoio a projetos de investigação, na formação endoscópica, no intercâmbio com especialistas estrangeiros e na atualização dos seus associados de acordo estado da arte, nomeadamente no respeitante à evolução terapêutica protagonizada nos últimos anos e que alterou significativamente a abordagem da doença de Crohn e da colite ulcerosa.

Também em maio, mês em que se comemora o Dia da Doença Inflamatória Intestinal, a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia exulta com os progressos nesta área e renova o empenhamento dos gastrenterologistas na prática do diagnóstico atempado e dos tratamentos mais modernos que a ciência médica proporciona nesta área.

Prof. Doutor José Cotter
Presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

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